sexta-feira, 22 de abril de 2011

Quase-carta

Penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos, e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim "clack!" e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansada, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam "clack!" de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis.
Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não; acho que a ilha mora num caquinho só dela.
Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas são sempre bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo cedo, nunca quebra.
Daí penso coisas bobas. Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam umas nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você! Digo, eu também, mas não sei o que falamos em seguida por que ficamos meio encabulados, a gente tem muito poder de parecer ridículos, melosos, piegas, bregas, românticos, pueris, banais. Mas no que eu penso, penso também que somos mesmo meio tudo isso, não tem jeito.
No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tola, meio melodramática, e penso então tule, nuvem, castelo, seda, perfume, brisa, turquesa, vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca na minha mão, eu toco na sua.
Demorar tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão cristalinas que têm algas na superfície, ressaltadas contra a areia branca do fundo. Encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito.
Penso tanto em você que na hora de dormir vez em quando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito em voz baixa "te amo, dorme com os anjos".
Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos.
Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. "Clack!" como se fosse verdade, um beijo.

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