segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Procura-se um amor pra vida toda

Procura-se. Urgente. Dou recompensa, pago um valor altíssimo. Sou prendada, tenho muitas qualidades. Preparo nossa cama, suas roupas, arrumo a casa e cozinho. Tudo bem, não cozinho. Um dos meus defeitos. Mas não faz assim tanta diferença, faz? Eu posso aprender. Não aprendi de preguiçosa que sou. Mais um defeito em um anúncio, isso não vai dar certo. Ou será que vai? Desculpa, sou insegura, indecisa. Tenho milhões de incertezas e mais um milhão de certezas também. Você precisa gostar de animais, tratar bem seus pais, se dar bem com crianças, me dar beijos de boa noite e preparar café antes de me dar bom dia. Precisa se calar quando eu contar histórias tristes, me abraçar logo depois, sorrir, me beijar. Não precisa se preocupar em dar conselhos. É que eu sou meio confusa, meio doida, meio... eu não precisava estar citando meus defeitos aqui, né? É, não precisava. É que sou sincera. Não do tipo "falo tudo o que penso", mas do tipo "sou capaz de te magoar". Me perdoa por ser capaz de te magoar. Tolice, estou pedindo perdão antecipadamente, por que sou assim? Ah, por favor, se você for taurino, leonino ou escorpiano, nem precisa acabar de ler. Nem canceriano porque de chorona já basto eu. Gostar das mesmas músicas, os mesmos filmes, os mesmos livros que eu não garante um amor eterno, mas vai fazer com que eu me interesse por você. Se você pensou "não gosto de livros", por favor feche este anúncio. Como pode uma pessoa não gostar de livros? (Se você concorda, já temos um assunto.) Gosto de sair, usar salto-alto, maquiagem e as roupas que eu bem entender. Gosto de ser beijada em público, de ouvir "eu te amo" quantas vezes forem possíveis, de ir ao cinema, de passear e de viajar. Acho que é só. Só isso tudo. Aguardo contato.

The end

Entrou, fechou a porta. Parou, ouviu. Silêncio.
-Onde você estava?
Respirou fundo, virou, a encarou.
-Fui arejar a cabeça, precisava relaxar.
-Precisava relaxar? Eu preciso conversar.
-Agora não.
-Agora não, então quando? Quando você bem entender, quando essa situação se tornar ainda maior? Quando as coisas se encaminharem para o que inevitavelmente estão se encaminhando? O que você quer exatamente, me ver desistindo de você?
Ela agora estava em pé, na frente dele, que a encarava com a chave na mão.
-Eu só quero dormir.
-Quando é que você vai aprender a resolver as situações em que você se envolve? Sempre adiando, sempre deixando pra depois, sempre fingindo que as coisas estão bem, até que tudo explode e você some por 4 horas sem avisar onde foi. Eu quase fui embora, sabia? Minha bolsa está pronta - disse, apontando para o canto do sofá.
Ele olhou para a mala fechada. Ela não perdia essa mania de ser extremista.
-Não tenho mais forças para lutar por você, é só o que tenho para te dizer. - Ele não respondeu. Ela o fitou com inquietude, agora chorando. - Será que você pode dizer alguma coisa, qualquer coisa?
-Pode ir embora.
-Como assim "pode ir embora"?
-Não quero mais você aqui.
Colocou a chave na mesa, tirou o casaco, foi andando para seu quarto e ouviu os três últimos barulhos que a presença dela fariam perto dele: um soluço, as rodinhas da mala e a porta batendo.

Pensamentos soltos

De todas as faltas que uma pessoa pode sentir, a mais triste é a falta de um sentimento que nunca se teve. Como explicar, como descrever? Aquilo não faz parte da sua rotina, da sua realidade, você não conhece, só ouve falar. Mas sente falta, como dizer... Não, não sei explicar. Mas que faz falta, faz.

De todas as sensações ruins que conheço nesse mundo, a pior é arrependimento. Seja por algo que fez, seja por algo que deixou de fazer. Por falta de coragem de dizer "sim" ou "não", por falta ou excesso de atitude, por confiança de mais ou de menos.

A sua melhor metade

A sua melhor metade não respeitas linhas. Pula cordas, desvia de cercas e brinca de subir em árvores para estar com você. Ela não é uma das metades comuns que você encontra pela vida, nem uma das metades que você já esbarrou por aí. Ela é sua, e não de outra pessoa qualquer. A sua melhor metade não te completa, mas te faz companhia. Ela é melhor que uma metade só porque é um inteiro. E se doa por inteiro pra ser mais que um só com você. A sua melhor metade é bonita sem espelho e reflete em você de forma que nenhum deles pode ver. Ela é passageira ou fica pra sempre. Ela já veio ou ainda vai vir ou pode ter ido embora. Mas não adianta que escrevam canções e escrevam roteiros e escrevam histórias e escrevam destino e se esqueçam dos pontos e se esqueçam das vírgulas e se esqueçam de tudo: a sua melhor metade continua sendo sua.
A sua melhor metade sabe andar de bicicleta e segura o banco pra você não cair. Ela atravessa a rua ajudando velhinhos e te deixa admirado do outro lado com a bondade. Ela sabe ser gentil com o garçom por natureza e não vai traçar planos e fundos para te impressionar. A sua melhor metade falha e pede desculpas. Ela se fere e se machuca e se perdoa e te perdoa e fala coisas da boca pra fora e bate a porta e vai embora e volta arrependida. Mas é só sua quando olha bem fundo nos seus olhos e começa a rir, porque ela não consegue manter um ar sério perto de você. É que você contagia a sua melhor metade com algum riso, por mais estranho ou alto ou fino ou fora de ritmo ou fora de ordem ou fora de tom que você seja. A sua melhor metade joga ping pong e se veste bem dependendo da ocasião. Ela entra em lojas e faz caretas na vitrine e se acha infantil e te dá colo quando você sente falta de casa. Ela é meio criança, assim como você se nega ser. Ela é teimosa e faz biquinho, independente do sexo, da cor, da religião ou do assunto do momento.
A sua melhor metade canta em grego porque não fala inglês e lê livros que você nunca ouviu falar. Ela coleciona um montão de histórias em quadrinhos e toca o sino da porta da frente pra avisar que chegou. A sua melhor metade é uma surpresa. Porque não sabe quando vem, mas ela vem. E vem com flores ou com vinho ou com rosas ou com aquele vestido-cor-de-mar ou com aquele chapéu engraçado ou vem sem nada e deita com você. Ela é quente e te faz sentir calor no frio e calor em dias de sol. Ela te faz transpirar de alegria, de felicidade, de frio na barriga, de medo de perder, de dor de barriga porque comeu muito bolo de chocolate. Nah…a sua melhor metade é comilona, sim. E você acha graça quando ela se lambuza de chocolate ou faz bigode de café ou suja o nariz de sorvete ou joga creme chantilly no seu rosto ou quando faz a barba de shampoo.
A sua melhor metade não está num conto de fadas, nem num reality show, nem nos tal bares e esquinas e muito menos nessa vida virtual que você leva. Ela tá por aí ou por aqui e não tem nada de encantadora aos olhos dos outros. A sua melhor metade toca flauta e faz um som de vez em quando e você passa direto e parece nem ouvir (mesmo que isso seja dentro de casa). Ela é humana e você se esquece disso às vezes jogando toda a culpa, ou a calma, ou o amor, ou a esperança ou o que quer que seja em cima dela. Mas calma… Não se preocupa. Ela é sua. Tão sua que faz barulho baixinho pra não ter acordar e anda na ponta do pé por aí. Tão sua que fica corada quando você olha de relance e descobre um olhar terno e meio abobado na sua direção. Tão sua que é pura desordem, puro pudor, pura energia e pura fantasia (igualzinha a você). Ela te faz inteiro e te dá a mão no fim do show, da padaria, da roda de samba, do shopping center e te deixa conduzir a coisa toda. A sua melhor metade gosta de te ver dormindo e dorme junto ou do outro lado do mundo pensando em você. Ela é meio suave e calma, meio nostálgica e todas essas coisas que você já sabe de cor. A sua melhor metade, na verdade, é como essa canção de ninar que você toca toda noite. Boa noite, meu bem.


-E se eu for embora?
-Eu vou atrás.
-E se eu for mais rápida, estiver de tpm, enlouquecer, quiser fugir e você nunca mais me achar?
-Eu te acho, pequena. Não importa como, eu te acho.

A toast to never

"if you close the door, the night could last forever,
leave the wineglass out and drink a toast to never..."

Sentou no único banco que restava. Um rapaz tinha acabado de levantar e ela correu, desastrada, esbarrando em malas e pessoas no caminho. Sentou, colocou o fone de ouvido. Fechou os olhos. O shuffle parece sempre querer lhe dizer alguma coisa, será que isso só acontece com ela? As músicas sempre fazem sentido. Nunca toca Coldplay em dias alegres ou Little Joy em dias tristes. Abriu os olhos. Observou a multidão que passava. As pessoas sempre passam, andam, correm. Pra onde? Pra quê? Suspirou fundo. Melancolia, sua velha amiga, sempre presente. Hoje não seria diferente. Hoje, terceiro dia desde o dia da decisão que tomou, acreditando que sua vida iria mudar pra sempre. Pra sempre? Mas como é exagerada, dramática, vê se se aquieta, menina. "Viva o hoje, que o ontem já foi e o amanhã ninguém sabe se vem", diria sua mãe. E adianta dizer? Não, não adianta. Ela é assim, exagerada, dramática, ansiosa, não adianta pedir que não vai se aquietar. Lembrou dela mesma, ali, três dias antes daquele. O sorriso dela, o sorriso dele, o reencontro, as inúmeras possibilidades. As vontades, os desejos, os sonhos. E o frio na barriga. O abraço apertado. O "você não faz ideia de como eu senti sua falta". E puff!, o pensamento se esvaiu. Abaixou a cabeça, trocou de música, limpou o cantinho do olho. Chorar no aeroporto fica feio, para com isso. Olhou pra frente e viu um casal discutindo. Sentiu inveja. Inveja? De gente discutindo? Desde quando, menina? Inveja dos dois ali. Inveja de todas as relações, de todos os sentimentos, de todas as sensações de verdade. Ali, os dois, discutindo, representando tudo o que um casal pode representar. Ele gritava, ela pedia pra ele falar baixo. Tão humanos, tão reais, tão casal. Sabe como? "Nos deseamos y hasta a veces sin motivo y sin razón, nos enojamos..." Nada mais casal do que brigar. Reconciliar. Se chatear, bater a porta, voltar atrás. Isso em relacionamentos de verdade. Não naqueles relacionamentos criados pela cabeça da gente, situações da cabeça da gente. Quase um amor virtual. "Mas você se entrega demais, para com isso!", dizem suas amigas. Mas ela não consegue. Não consegue, não adianta. Se apaixona, desapaixona, faz besteiras, toma decisões, se arrepende. E no meio disso tudo, já se entregou, já amou, desamou, sofreu. E de novo, e de novo, e de novo. Viu o casal que discutia se abraçando e se beijando. Sorriu um sorriso triste. Por tudo o que não foi e poderia ter sido, por tudo o que poderia ter sido e não foi. E levantou do banco, que a moça do alto-falante chamava pelo seu vôo. "Toma jeito, menina", pensou. Aquela cidade, nunca mais.